segunda-feira, outubro 29, 2007

Maternidade versus trabalho ou o reverso da medalha

Andava a vaguear noutro dia pelos blogs "meus amigos" e eis que vejo um tema abordado por esta amiga, que me despertou curiosidade. Achei engraçado ela considerar-se "doméstica", porque confesso era uma denominação que não ouvia há anos. Entretanto, em mais um pequeno zaping, vi que existem outras mães a "tempo inteiro", e fiquei surpreendida. A esse propósito decidi uma vez mais massacrar os meus leitores com um extenso rol de opiniões das minhas, porque como sabem gosto de opinar acerca de tudo e mais alguma coisa.

Eu sou uma mãe de carreira, sempre fui uma mulher que preza o seu trabalho e que gosta do que faz (ás vezes enfim…). Lembro-me que em ínicio de vida cheguei a trabalhar 32 horas seguidas.

Esse foi um dos motivos pelos quais adiei a maternidade, sempre com dedicação absoluta ao trabalho e horários pouco definidos, sabia que seria extraordinariamente dificil para mim gerir a vinda de um filho. E a minha opinião era (e é) de que não se deve fazer nascer um filho para os outros tomarem conta mais do que o realmente necessário. Tenho exemplos de pais dedicados a carreiras que o único amor que dedicam aos filhos é aquele que o dinheiro pode comprar, não queria isso para mim nem para os meus filhos.

Acredito que um dos factores que contribuiu para uma longa caminhada sem filhos (que teve o desenlace que já se conhece), foi o permanente stress a que estava sujeita. No entanto, quando o apelo da maternidade falou mais alto, decidi que iria dar um tempo a mim mesma para ver se conseguia ou não ter filhos. Libertei-me de alguns pontos de stress e decidi que no prazo de 1 ano teria de ver se conseguia ou não. Nesse prazo o trabalho seria para “ir levando”. Tinha obtido um estatuto que me permitia certas liberdades e por isso aproveitei-o.

É evidente que com a gravidez e os problemas que tive a partir da 21ª semana de gestação, com a minha retenção forçada em casa 3,5 meses antes do previsto, as coisas complicaram-se. Porque se há trabalhos em que nós podemos delegar e vir para casinha todas contentes, outros há que dependem de nós e que não podemos delegar, nem podemos deixar de os fazer. Por isso eu mesmo em casa tinha de estar sempre em contacto e sempre a trabalhar dentro da medida do possível.

Lembro-me que quando era preciso deslocar-me para qualquer coisa que era preciso tratar “in loco”, tinham que me vir buscar e eu lá ia a empurrar a barriga, sempre com um medo de morte de estar a fazer alguma asneira. Lembro-me de ter discutido aumentos salariais em Janeiro, na minha sala de roupão e pijama. A minha sala era o quartel general, estava cheia de computadores, papelada e capas de arquivo por todo o lado.

Se por um lado, era stressante ter de trabalhar e cumprir prazos e estar sempre ao telefone, por outro lado, acredito que foi essa “semi” actividade que me ajudou a manter a sanidade mental durante aquele tempo de reclusão. Se não tivesse nada para fazer tinha morrido de tédio.

Quando nasceram os Pipizes, tinha tudo organizado para mais ou menos 15 dias não ter de fazer nada ( e foi a sorte). Por isso, logo que chegamos a casa vindos da Maternidade, tive de começar, dentro do tempo que não tinha, a tratar da papelada porque o Ministério das Finanças não queria saber se eu tinha tido 2 filhos ou não, e os prazos são para cumprir. Daí eu dizer que ás vezes tinha um braço para um Pipi, outro para o computador e um dos pés a embalar o outro Pipi.

Naqueles momento iniciais mais negros, sentia-me culpada por estar a dividir o tempo que devia ter só para eles com o trabalho, e sentia-me mal, muito mal mesmo. Acrescendo a esse sentimento de culpa, o cansaço, e o receio de deixar escapar alguma coisa importante, ajudaram a tornar esses dias ainda mais dificeis.

Tentei ser naqueles primeiros tempos, e apesar dos pesares, uma mãe sempre presente, apesar de ter a quem os deixar para ir aqui ou ali, preferi sempre ficar com eles, e na vez de aproveitar para dormir umas sonecas quando eles estavam mais calmos e dormiam as suas sestas, aproveitava para trabalhar nessas horas em detrimento do meu próprio descanço (que me fazia tanta falta).

Agora já a trabalhar a tempo inteiro, não abdico de vir para casa mais cedo para estar com eles, não saio de casa sem lhes dar o pequeno-almoço (a papa), há hora de almoço estou com eles pelo menos 1 hora, e faço questão de ser eu a dar-lhes o jantar, o banhinho e brincar com eles sempre um bocadinho quando chegam a casa e antes de irem dormir.

Recentemente cumpri uma década de casada, eu e o pai estivemos para ir passar um fim-de-semana fora, só os 2 para comemorar, afinal não é todos os dias que se fazem 10 anos de casados. No entanto, à última, não tivemos coragem para os deixar “sózinhos”, sabemos que já estão habituados às coisas deles, e que lhes iria custar ficar fora do seu ambiente… Ficamos com eles e foi a melhor forma de comemorar, sem sombra de dúvida.

Ser “mãe a tempo inteiro”, seria sem dúvida um grande desafio, mas quando falo de ser mãe a tempo inteiro falo só disso mesmo, ter alguém que cuide da casa, das refeições, da roupa, e ser só “Mãe”. Porque, confesso que o trabalho doméstico me aborrece de morte, e apesar de ser boa “dona de casa”, muito organizada e boa cozinheira, não gosto da rotina desse trabalho. Gosto de arranjar umas coisas bonitas e fazer uns jantares elaborados fora isso pouco mais…Mas isso seria num mundo ideal, no mundo real tenho de ser Mãe, trabalhar e ir tratando das coisas da casa “a meias” com a mulher-a-dias (eu e mais milhões de mulheres por esse mundo fora).

Admiro quem tem coragem (e quem pode evidentemente) para se dedicar exclusivamente à maternidade ao “house keeping”, eu não teria essa coragem, até porque iria significar uma dependência financeira de “alguém” e a minha independência financeira foi algo que sempre prezei, talvez por vir de um lar onde tive uma “mãe a tempo inteiro” com o respectivo “house keeping” anexado, por vezes existiam situações que me levaram a fazer uma jura cruzada de que jamais em tempo algum iria depender financeiramente de alguém “so help me god”.

Beijos a todas

terça-feira, outubro 23, 2007

“Baby blues”

Em mais um retrocesso no tempo, e analisando agora mais friamente, acho que nenhuma mulher, quando tem o primeiro filho está realmente preparada para ser mãe, por maior que seja o seu desejo. Então quando são gémeos, a coisa ainda se complica mais.

Tenho 2 amigas mães de gémeos, e ainda recordo a minha reacção quando, na altura, elas me comunicaram que iriam ter 2 bebés: “Ai meu Deus!” – sei que não foi uma resposta simpática, mas na altura foi o que me saíu. Isto numa altura em que eu não imaginava ou sequer me passava pela idéia que iria passar pelo que passei, e que a palavra “gémeos” fazia parte de um dicionário que eu não conhecia. Em todo o caso, na minha cabeça imaginava que um nascimento duplo não deveria ser nada (mas nada mesmo) fácil, daí a minha reacção “pouco simpática” aquando das comunicações.

Quando estava grávida foram diversas as reacções das pessoas ao saberem que eram 2. surpreendeu-me, no entanto, porque a grande maioria ficava em êxtase profundo e dizia ter o grande sonho de ter gémeos, então quando eu dizia que era uma casal, ainda mais extasiadas ficavam.

As minhas queridas amigas mães de gémeos, diziam-me sabiamente: “Amiga, vai ser um trabalhão!” – ao que eu respondia prontamente – “Eu sei, estou preparada!…” – elas retorquiam: “Ninguém está preparada até ao dia que eles nascem.”.

“Ninguém está preparado até ao dia que eles nascem”, verdade mais verdadeira que ouvi até hoje.

Os pipizes enquanto estiveram na maternidade, eram uns “come e dorme”, e como nós não podiamos passar a noite com eles, não tinhamos a verdadeira noção da realidade, E apesar de eu ter de acordar para tirar o “parco” leite com a bomba, lá conseguíamos descansar um bocado de noite.

No dia em que os trouxemos da maternidade, lembro-me que vinha no banco de trás sentada orgulhosamente entre as 2 cadeirinhas, eles eram tão pequenos que quase nem cabiam nelas. Saímos com a indicação expressa de lhes darmos de comer de 3 em 3 horas, tinham na altura mais ou menos 2400grs, e precisavam de ganhar peso.

A responsabilidade era agora nossa, tinhamos finalmente os nossos filhos connosco, para preencherem os berços vazios no nosso quarto, mas não existiam enfermeiras, médicos ou alarmes prontos a disparar caso alguma coisa estivesse a correr mal. E mais… Por mais que procurassemos, não existia “manual de instruções”…

Toda essa responsabilidade e insegurança de “mãe de primeira viagem”, juntamente com todo o stress acumulado pelas situações vividas nas semanas anteriores, mais as “benditas” alterações hormonais despoletadas pelo parto, foram uma mistura pouco simpática, e rapidamente comecei a acusar o cansaço.

As primeiras noites foram surreais: Acordar, mudar a fralda, dar de mamar aos 2, pô-los a “arrotar” e deitá-los a dormir, tentar dormir até dali a 1 hora e meia 2 horas no máximo. Quando estava a conseguir adormecer, eis que o bentido despertador dava sinal outra vez e tinhamos de começar tudo de novo, e uma e outra vez, uma noite atrás da outra.

A privação do sono deve ser da facto das coisas mais horríveis que nos acontece, a nossa cabeça fica baralhada e o cansaço acumulado impede-nos de reagir. Tenho noção que nessa altura muitas vezes perdi a noção de tempo espaço e mesmo da própria realidade. Acordava e nem sequer sabia onde estava quanto mais o que tinha de fazer a seguir. É uma sensação estranha muito estranha mesmo.

Entretanto os meus anjinhos começaram a transformar-se em “diabinhos”. E choravam, choravam, choravam. As benditas cólicas atacaram em força e eles berravam e torciam-se e torciam-se e berravam, e dias e noites e noites e dias. Talvez fose por causa do leite artificial, ou da medicação que tinham feito no hospital, não sei.

Existe, hoje em dia uma grande pressão para a amamentação, e eu sou a favor dela. Mas a verdade é que e além das “passas do Algarve” que passei para desencaroçar o leite, nunca fui uma grande leiteira. Lembro-me de estar lá nas salas das bombas do leite (ordenhómetro como eu chamava), e olhar invejosamente para as outras mães que com grandes bicos e jactos enchiam grandes biberões, enquanto que eu nunca ia além do 40/50 ml a muito custo.

O L. nunca quis a mamoca, depois de ter provado o doce sabor do biberão, achou desnecessário estar ali a puxar quando com a tetina a coisa era muito mais fácil. A M. pegou, mas mamava para aí durante 1 hora e eu ficava com a idéia que a pobre não tinha comido nada. Assim, dava numa mamada à M. e depois tirava com a bomba para dar ao L pelo biberão, pelo que o tempo que eu não passava a dar de mamar, passava agarrada à bomba a tirar uns míseros mls de leite. Durante a noite desisti porque demorava quase o tempo todo entre mamadas e realmente não aguentava mais. Os meus sinceros parabéns às mães de gémeos que conseguem amamentar, eu não consegui. O leite secou quando eles fizeram 1 mês mais ou menos.

Por esta altura já andava atacada com os “baby blues”, e perguntava a mim pópria o que é tinha feito, só me apetecia fugir e voltar à minha vidinha antiga de “sombra e água fresca”. Só dizia para mim própria: “Mas ser mãe é isto???” – questionei muitas e muitas vezes as minhas opções, nas alturas em que eles estavam mais inquietos.

Lembro-me que passei várias tardes com a M. ao colo com ela a berrar e a contorcer-se e eu sem poder fazer nada, adormecia-a, deitava-a e ela parecia uma mola logo que a pousava na cama começava a berrar outra vez…

Lembro-me dos 2 a chorarem com fome e eu sentada no chão entre as espreguiçadeiras com um biberão em cada mão a tentar dar-lhes de mamar e o L. a querer vir mamar para o colo e a chorar desalmadamente…

Lembro-me de estar a trabalhar no computador com um no colo e a abanar outro no chão na espreguiçadeira…

Lembro-me de um dia particularmente dificil, ao fim da tarde a dar-lhes banho com eles os 2 a chorarem em uníssono, sem se calarem e de eu estar a chorar também, desesperada e pensar em como gostaria de apagar aquele momento e não estar ali a vivê-lo.

Mas também me lembro do primeiro sorriso dos meus filhos, das primeiras “palradelas”, dos primeiros movimentos coordenados, da primeira papa, da primeira sopa, de olhar para eles a dormirem e chorar de felicidade por eles estarem ali.

Foram sentimentos antagónicos que senti naqueles primeiros meses, mas que foram evoluíndo juntamente com o crescimento deles. Já não imagino a minha vida sem eles. Continua a ser um trabalho exaustivo, e as noites ainda são mal dormidas, mas ao ver o sorriso deles ao acordarem, ou quando os vou buscar, saber que eles já conhecem a mãe e que quando ela chega já querem disputar o colo, os mimos… Não há nada que se compare a esse amor tão maior.

Beijos a todas

quarta-feira, outubro 10, 2007

"nascer prematuro"

Durante o tempo que estivemos na neonatologia, posso dizer que aprendi muita coisa. De facto, só quem passa por um serviço destes, tem noção de como é possível a vida humana ser ao mesmo tempo tão frágil e tão resistente.



Com os pipizes fora de perigo, pude "relaxar" um pouco mais, e pude começar a olhar ao que se passava à minha volta. Aos outros pais que ali estavam horas a fio, como eu, a guardar as incubadoras dos seus bebés. O que vi, deixou-me estarrecida. Existiam ali seres humanos tão, mas tão pequenos que julgava não ser possível existirem, quanto mais estarem vivos.



Bebés nascidos com 26, 28, 30 semanas de gestação, uns ventilados e cheios de tubos e sensores, outros somente com tubos e sondas... Impressionante, os meus perto daqueles eram uns gigantes e estavam definitavemente desenquadrados, e o meu sofrimento perto daqueles pais que ali viam os seus pequenos filhos a lutarem desesperadamente pela vida, um dia atrás do outro, uma semana atrás de outra era pequeno, muito pequeno.


Quem já passou algumas horas num serviço de neonatologia sabe que naquelas horas “mortas”, em que os bebés estão todos a dormir, aquele zumbido das incubadoras é bastante relxante para quem anda esgotado, e ao olharmos os bebés adormecidos, ao sentirmos o calorzinho da sala e ouvirmos aquele barulho, só apetece deitar e dormir também.


Nas horas das mamadas tudo se altera, o serviço parece uma colmeia que ganha vida de repente. Acendem-se as luzes, ouve-se o choro dos bebés, e vê-se uma grande azáfama de volta das incubadoras. Na maior parte estão lá as mães, ou os pais, ou ambos. No entanto existem aqueles abandonados pela vida e sorte que estão sózinhos, ao cuidado das enfermeiras, e que sózinhos permanecem durante horas e dias, porque ninguém está para perder grande tempo de volta deles, são condenados… Até para nascer é preciso sorte.


Durante os dias que por lá estive, existiram alguns episódios que me marcaram, falarei apenas de alguns para não ser exaustiva, porque poderia falar de eventos mais ou menos agradáveis durante horas a fio.


A Isabelinha era uma menina nascida com 29 semanas de gestação, já estava lá no serviço há 1 mês quando entraram os gémeos. Nasceu com 850 gramas de peso. Na altura estava já com 1300 grs. A mãe da Isabelinha era daquelas que estava lá de manhã à noite, tinha uma filha de 3 anos e era a minha “vizinha da frente” da M., a Isabelinha estava bem, respirava sem nenhum tipo de auxílio e estava só a aprender a “mamar” e a ganhar peso, mesmo assim era pequena, muito pequena. A mãe esforçava-se por lhe dar os míseros 20 ml por biberão, mas ela raramente conseguia mamar até ao fim, o resto lá tinha de ir pela sonda. Estava lá no dia em que pela primeira vez conseguiu mamar tudo até ao fim, foi uma alegria… Estava lá também quando a passaram da incubadora para um berço, outra vitória e outra alegria.


Outro bebé que estava lá nascido com 26 ou 27 semanas de gestação, micro, muito micro, não teve a sorte da Isabelinha, esse estava noutra sala, e apesar de estar lá já há algum tempo, o veredicto não era nada favorável. Estava lá por perto quando ouvi a médica dizer aos pais que ele teria lesões cerebrais irreversíveis. Fiquei gelada, não consegui evitar as lágrimas que me começaram a escorrer pela cara abaixo, fui para as minhas incubadoras e pedi com todas as minhas forças para nunca ter de ouvir um veredicto daqueles. Não consegui imaginar a dor daqueles pais ao saberem que o seu filho teria à partida, muito poucas chances de ter uma vida normal.


O caso que mais me impressionou foi o da Inês, menina nascida com o tempo de gestação todo mas com uma deficiência cardíaca grave, teria de ser sujeita a uma cirurgia de alto risco que teria de ser realizada no HSJ, estava ali apenas a fazer exames e a curar uma infecção grave que tinha apanhado. Para além do problema cardíaco tinha uma deficiência cromossomática, o que a impediria de, caso sobrevivesse, de vir a ter uma vida normal. Era uma bebé linda, gordinha. Era das abandonadas pela vida e sorte, nunca tinha ninguém com ela. E como se não bastasse o saber que o mais provável era ter poucos dias de vida, iria ter um sofrimento atroz numa cirurgia (a meu ver descabida porque sem grandes esperanças), aquela criança só tinha as enfermeiras para tratarem dela. Não tinha a mãe nem o pai, que devem ter preferido ignorar os seus problemas do que ficar um dia atrás do outro ao lado de uma filha que se sabia iria perecer ou na melhor das hipóteses iria ser um ser dependente e com graves problemas para o resto da vida. Era muito raro aparecerem por lá, acho que só os vi uma vez.


Tinha uma pena infinita daquela menina, mas ninguém se podia chegar perto dela, ou melhor dizendo, nos serviços de neonatologia ninguém pode andar a pairar pelas salas ou ir espreitar as outras incubadoras, temos de nos limitar às nossas, o que é muito correcto. Por isso, todos sabiamos da história da Inês, mas ninguém lhe podia dar um afago de carinho ou sequer ir vê-la ou falar com ela.


Perante estes cenários acho que me consciencializei que estava a ser lamechas demais, os meus pequenos estavam bem, eu dentro do possível estava a recuperar bem, e realmente dentro de tudo o que tinha acontecido tinha tido uma sorte incrível: Fiz uma FIV, engravidei de gémeos, um rapaz e uma rapariga, consegui aguentar a gestação até ás 36 semanas, tive 2 bebés grandes e eles estavam ali “alive and kicking”, e sobretudo ao que tudo indicava saudáveis e muito perfeitos. Era (sou) de facto uma pessoa com muita sorte.


Dediquei-me a gozar os meus bebés, e a apoiar quem precisava do meu auxílio. Quem me conhece sabe que sou extrovertida e durante os dias que estive na neonatologia e depois quando estive na fototerapia, conheci muita gente e conheci muitas histórias, posso gabar-me, ainda hoje quando vamos à maternidade do pessoal nos vários serviços se lembrar de mim e dos “gémeozinhos” (forma como eles os tratavam). As médicas ainda hoje, quando eles vão às consultas, dizem carinhosamente “os meus gémeozinhos”.


Quando saímos da neo, passamos para uma outra sala de cuidados intermédios, onde estavam os bebés a fazer fototerapia, os bebés que como os nossos estavam a terminar medicação ou aqueles bebés que estavam abandonados à espera que a Segurança Social os encaminhasse. Era a sala onde os bébés vinham receber os primeiros tratamentos depois de saírem do bloco de partos e antes de serem entregues às mães.


Felizmente, quando entramos estava só lá uma bebé a ganhar peso, e nos dias seguintes iam entrando uns para a fototerapia, outros com mazelas pós parto, mas na generalidade não estavam lá muitos o que me deixava mais sossegada. Primeiro por causa das doenças, segundo porque em termos de segurança, aquilo era menos restritivo que a neo, e tinha medo que alguém “arrancasse” com as minhas pérolas.


Enquanto lá estive apareceu um bebé que foi abandonado, tinha 2 meses, a mãe foi lá levá-lo, porque ele estava com o rabinho completamente em “carne viva”, e nunca mais apareceu, o petiz chamava-se Ivo, era louraço de olhos azuis, muito giro, e berrava como um possesso, passava o dia a berrar, não se calava com nada. As enfermeiras punham-no sem fralda com pomadinha e com o rabinho para o ar a apanhar o sol que entrava pela janela, para ver se cicatrizava o rabito, mas aquilo devia doer horrores ao petiz.


Este serviço era menos restritivo que a neo, ali estavam os bercinhos uns ao lado dos outros e iamos vendo e “olhando” pelos outros bebés quando as enfermeiras não estavam e os pais também não. Foi ali que dei banho aos gémeos pela primeira vez, e foi ali que eles usaram as primeiras roupinhas, não as deles, mas as do hospital porque não se podia levar nada de fora. Daí que andavam com roupas que eram doadas ao hospital e com fraldas do tamanho 2 porque eram as que existiam na maternidade, ainda assim, as enfermeiras sempre que chegava roupa da lavandaria deixavam-me escolher as “melhores” e mais bonitas para eles, eram uns doces.
Ali, compreendi também que se luta com dificuldades nas maternidades portuguesas, porque toda a boa vontade não chega, e se não fossem donativos de particulares e empresas e do próprio pessoal, aqueles bebés que ali estão internados teriam só “farrapos” para vestir porque o orçamento não chega para comprar roupa para os bebés, no entanto, o regulamento não autoriza os pais a levarem nada… É irónico. Compreendi também, que muita gente voluntariamente dá dias da sua vida, que poderiam ser passados de forma vazia, a ajudar a maternidade e aqueles bebés mais necessitados, fazem-se enxovais para bebés ali. A mãe que lá chegue sem nada saí de lá com tudo para o bebé, e infelizmente são muitas. As enfermeiras tiram do seu salário dinheiro para comprar lã, e as voluntárias fazem carapins, casaquinhos e calcinhas para dar aos bebés e para uso geral.


É incrível a forma carinhosa como os bebés são tratados, já nem falo dos meus porque nós estavamos lá sempre metidos e eles só de noite é que precisavam de mais atenção por parte do pessoal de enfermagem, mas falo de meninos como o Ivo por exemplo, posso dizer-vos que o miúdo berrava , berrava e berrava, e que nunca ouvi uma palavra mais exasperada por parte das enfermeiras, tinham lá uma espreguiçadeira e estavam sempre a abanar o Ivo enquanto davam o biberão a outros bebés.


Passados uns dias já eramos “tu cá tu lá”, e os pipizes eram o “ai jesus” do pessoal, eu já cirandava por lá para dar uns abanões ao Ivo quando elas estavam ocupadas e os meus estavam a dormir e nas horas mortas dávamos 2 dedos de conversa. Quando viemos embora, as enfermeiras e as voluntárias ofereceram-nos uns carapins para cada um: “Para recordação” disseram elas… E como recordação estão guardados junto com as pulseirinhas do nascimento e as placas que tinham nas incubadoras a dizer “1º gémeo” e “2º gémeo” e as primeiras roupinhas que eles vestiram por breves instantes.


Já lá voltei para dar roupas dos pipizes que não servem, e tenciono voltar a dar mais roupa, porque está nova e servirá para vestir bebés que como os meus lá estão internados ou cuja família tenha necessidade, e é melhor do que ficar a “mofar” dentro de uma caixa.
De uma coisa tenho a certeza, se tivesse algum tempo livre, era lá ou noutro sítio semelhante que o passaria.

Beijos a todas


PS: A Inês, soube mais tarde que sucumbiu aos 2 meses de vida, depois de uma cirurgia de 9 horas ao coração, à qual sobreviveu. Morreu de outro tipo de complicações, sózinha. Os pais foram levantar o corpo e devem tê-la enterrado como indigente num cemitério qualquer. Apesar de tudo foi um final feliz para ela...

PS2 Para quem não reparou a título tem o link de um blog sobre prematuros, passem por lá, ficam com uma idéia do que estou a falar.