quarta-feira, setembro 26, 2007

Nessas longas noites de vigília, os "ses" pairavam na minha cabeça: "Se tivesse aguentado mais uns dias", "se tivesse ido para um hospital público", "se", "se", e "se"...



No domingo amanheci febril, poderia ser da subida do leite, mas aparentemente ele teimava em não subir, poderia ser algo na cicatriz, poderia ser do stress, enfim... Iniciou-se antibiótico e retardou-se por mais um dia a saída do hospital. Nesse dia também, decobriram finalmente o que tinham os gémeos: Uma infecção muito grave generalizada (Sépsis), podia-se finalmente começar a tratar o problema e esperar que eles respondessem à medicação.



Nunca soube a origem de tal infecção. Na maternidade disseram que tinha sido transmitida pela mãe, o médico da mãe acha que foi transmitida pelo serviço de Neonatologia. De facto, a mãe nunca teve sequer uma constipação enquanto esteve grávida, e foi cesareana, mesmo que houvesse alguma bactéria por ali a rondar os bebés não entravam em contacto com ela... Onde quer que eles a tivessem apanhado, não era, naquela altura, relevante, a realidade é que eles tinham uma Sépsis e que o estado era muito grave.



Na segunda-feira, tive alta, ainda que enfebrada tive alta. Estava numa ânsia para ir ver os pequeninos, saímos do hospital logo que fomos liberados e eu e o pai lá fomos ver os nossos filhos.



Na unidade de Neonatologia, lá fui ver quase pela primeira vez os meus rebentos, estava com um aperto no estomâgo, e foi um sentimento que mantive até eles sairem de lá. Quem já teve filhos internados sabe que cada dia é uma surpresa, e que um dia eles estão melhores, no dia seguinte já não se sabe o que se vai encontrar. Com os meus não foi diferente, entraram para os cuidados intermédios, no dia seguinte à tarde passaram para os intensivos e sempre com oscilações.



Confesso que ia com medo de alguma má notícia. Quando o pai me guiou através de um mundo de caixas de vidro e bips metálicos, com pequeníssimos seres todos cheios de tubos e sondas e monitores, apeteceu-me fugir dali para fora. Simplesmente fugir, tanto sofrimento junto, tantas mães deseperadas, e pequenos seres que viram pela primeira vez o mundo através do vidro grosso de uma caixa e muitos que não se sabia se alguma vez veriam outra coisa.



Quando chegamos às "nossas" incubadoras vi que os meus filhos eram dos maiores que por ali pairavam, estavam deitadinhos de rabo para o ar, cada um na sua caixinha. Cheios de sondas, monitores, e tubos. A M. sempre a resmungar, o L. com o seu arzinho plácido. Abri as portinhas da incubadora da M., meti lá as mãos e inclinei-me para falar com ela. Foi um momento emocionante, ela acalmou-se e abriu pela primeira vez os olhinhos, como se o som daquela voz e o toque daquelas mãos lhe despertasse alguma memória longínqua, fixou-me com aqueles olhos ainda inexpressivos, voltou a fechá-los, e ficou sossegada. Depois fui ao L. tão quietinho, tão querido, tão mimeco, foi como a irmã, pareceu reconhecer logo o toque e a voz da mãe e sossegou um bocadinho.



Entretanto chega a médica, que aproveitou para nos dizer que eles estavam a evoluir favoravelmente, mas que ainda nada estava ganho. entretanto aproveitou para me passar uma rabecada por ter ido ter os bebés no hospital particular. Chamou-me inconsciente e disse que se tivesse acontecido algo mais grave com eles nós seríamos os culpados... Senti-me mal... Essa era uma verdade que me perseguia desde sempre e sabia que ela tinha alguma razão. Não toda a razão porque, eles podiam ter nascido num hospital público e terem de ser transferidos para outro por falta de vagas, porque na verdade ninguém supunha que uns bebés daqueles com aquele idade gestacional fossem ter problemas... Mas enfim,ela dizia a verdade, e sei que se o pior tivesse acontecido, iria ser muito dificil para mim conviver com o remorso.



Deram o primeiro leite por biberão à M., 5 ml, ainda me lembro a carita dela quando acabou de beber aquela migalha de leite tipo a dizer "então dão-me o aperitivo, e onde está o almoço?", como não houve mais nada desatou a berrar. Fiquei lá embebecida, sentada numa cadeira entre as "minhas" duas incubadoras, ora ia a um ora a outro, por minha vontade montava lá a tenda e não saía de lá.



Mas a verdade é que tinha de vir, a febre estava num pico e comecei a não aguentar o corpo, caí na cama, tomei um benuron e fiquei encolhida com aqueles arrepios horríveis. No dia seguinte, estava com febre e com o peito todo encaroçado, duro como pedra, tinha caroços até ao pescoço. O bendito leite não saía na bomba, mas tinha subido e estava todo encaroçado lá dentro.



Fui para a maternidade. Ao desconforto da cesareana e da febre, tinha-se juntado as horríveis dores no peito, mas isso não me fazia desistir. Quando lá chegamos fomos para os cuidados intensivos e já não estavam lá as incubadoras dos bebés. durante um curto espaço de tempo entrei em pânico: "Será que morreram e não nos avisaram?", procurei um enfermeira que me deu a boa notícia que tinham passado para os cuidados intermédios outra vez. Estavam fora de perigo os meus meninos. Não preciso de dizer que chorei, acho que está por demais evidente que sim, por isso avanço essa parte antes de começar outra vez a chorar.



Estavam já na sala dos intermédios, só que agora um em cada ponta. Lá andei eu tipo ventoínha, a cair de pé, de um para outro. Foi um sacrificio fisico muito grande, houve uma altura em que pedi uma cadeira para pôr debaixo das pernas, e outra em que me apeteceu deitar-me nos sofás que tinham na entrada do serviço, mas aguentei e de tarde tive a recompensa de poder pela primeira vez mudar a fralda à minha filha e pegar-lhe ao colo, de facto foi aos 2, mas foi a ela primeiro.



Foi uma emoção, devo dizer que ela tinha feito uma cocozada e que eu a mudá-la dentro da incubadora sujei tudo, os lençóis, o colchão, enfim uma verdadeira vergonha... Mas quando a tive no meu colo e lhe dei o biberãozito... Nem consigo descrever o que senti.



Com o L. pude deixá-lo experimentar a mamaroca dorida, mas ele não se demonstrou grande apreciador. Em primeiro lugar porque aquilo não deitava nada, e em segundo lugar porque o biberão era muito mais fácil.



Dali fui para o Hospital onde trabalha o meu médico, porque tinhamos que desencaroçar aquele leite antes que descambasse em mastite. Lá fui submetida a tratamento de choque, injecções de Syntocinon, e vaporizador de syntocinon no nariz, mais duas enfermeiras amorosas agarradas a mim com toda a força a passar toalhas a ferver e a espremerem as ditas cujas. Posso dizer que foi pelo pior que passei até hoje, fartei-me de berrar lá, e cheguei a implorar à médica que me secasse o leite, só desisti porque ela me disse que mesmo que secasse teria de tirar o que estava lá dentro. Foi horrível, e depois de tudo o que se estava a passar sucumbi à autopiedade, e o caminho para casa foi todo feito a chorar, realmente não havia nada que não me acontecesse.

Beijos a todas

terça-feira, setembro 25, 2007

Caramba...

Por mais um desfecho negativo, por mais uma esperança perdida, por mais um sonho adiado...

Beijos a todas

quarta-feira, setembro 19, 2007

E mais palavras

O anoitecer não trouxe nada de novo, continuavamos sem filhos e sem notícias. Começava a invadir-me um sentimento indescritível, um aperto no peito com apreensão, ou algo parecido. Associei esse sentimento ao facto da falta de notícias, mas a verdade é que, tinha nascido uma mãe dentro de mim e eu ainda não sabia.

Por volta das 20 vem o pediatra dizer que estavam bem, que a M. ainda continuava a precisar de oxigénio e bla bla bla, voltava mais tarde para fazer o ponto da situação e ver se podiam vir para o quarto. Naquele momento, o meu lado racional absorveu o maternal e disse-lhe: "Dr. se precisar de transferir os bebés não hesite!" - ao que ele respondeu: "Não se preocupe que se achar necessário nem lhe peço autorização!".

A minha inquietação crescia ao minuto, algo dentro de mim me dizia que algo de errado estava a acontecer, logo na altura em que eu achava que já nada poderia correr mal, as forças do além mostravam que "nothing is over till it's over" (esta é das frase que exprime o que sentia e em português não lhe consegui arranjar substituto por isso vai em inglês).

Por volta das 10h30 volta o pediatra e anuncia que vão passar a noite sob vigilância mas que não vêm para o quarto porque a M ainda precisa de cuidados de oxigénio e mais bla bla bla. A inquietação aumenta, a adrenalina sobe, apetece-me soltar os "pregos" que me prendem à cama, mas naquele momento chega o meu médico que diz para nem pensar nisso, que não autoriza. Sinto-me inútil e impotente perante os meus 2 filhos recém nascidos.

Quando toda a gente foi embora, começo a ouvir um choro forte seguido de um alarme, o A. diz-me, aquela é a máquina onde está ligada a M, quando ela chora liga o alarme porque desce o nível de oxigénio, o L também está numa igual.

Aquele choro era uma constante. Ao acalmar dos sons do hospital, era mais nítido. Afinal eles estavam ali, numa sala quase ao lado, e eu não podia acalmá-los, acarinhá-los, abraçá-los, nada... O choro continuava, o alarme continuava. Não conseguia dormir, o torpor da tarde deu lugar a uma agitação inominável, e só conseguia ouvir o choro da minha filha, e como ela chorava... Comecei a ficar ansiosa, cada vez mais, por volta das 4 da manhã a ansiedade atinge o pico e comecei a ter convulsões e vómitos. O A com um "penico" para eu vomitar (não tinha nada para vomitar porque não tinha comido nada) e a mão na campaínha para chamar a enfermeira, estava aflito. A enfermeira veio, e lá injectou uma droga qualquer na veia do soro e a coisa acalmou, mas continuava a ouvir aquele choro aflito e aquele alarme. É das coisas que por muitos anos que viva nunca vou conseguir esquecer, a minha sensação de impotência face ao sofrimento dos meus filhos.

De manhã, o pediatra chega e comunica que os vai transferir. A M. não melhorou e o L piorou e também estava agora a necessitar de oxigénio. Não sabiam o que estava a suceder, tinham de ir para um serviço especializado, para uma neonatologia. As lágrimas corriam-nos pela cara abaixo. Sabíamos que era o melhor para eles, mas ao mesmo tempo sabiamos que algo estava errado.

Eu ainda não os tinha visto, depois daquele vislumbre no nascimento. Chamei a enfermeira para me tirar a parafrenália que queria ir vê-los antes de irem. Não me queriam deixar, tive de ser persuasiva e dizer que se não me tirasse a algália e me ajudasse eu mesma o faria e que ninguém me impediria de ir vê-los. Lá consegui que me tirassem da cama e lá me arrastei para ver os meu bebés.

A dificuldade de todo este relato, é que ao rever estes episódios, as lágrimas teimam em queimar cá nos olhos. Por isso o adiamento para agora deste evento.

O que vi, quando lá cheguei foi a minha filhinha só de fraldinha, de rabinho para o ar, debaixo de uma máquinha que parecia uma chocadeira, com sensores num pézinho e num dos braços com algo que devia ser soro. As lágrimas escorriam-me pela cara enquanto falava com ela e a sentia acalmar ao som da minha voz. Vi-a pela primeira vez, uma cabeleira negra certinha, parecia que tinha um capacete na cabeça, um ar de rezinza que não perdeu até hoje, linda e no entanto já sofrida.

Procurei o L. estava noutra sala, ele ainda estava vestido com as primeiras roupinhas, estava ofegante e parecia um gatinho a respirar, fazia tipo um gemido. Lindo com uns pelinhos louros na cabecinha, parecia um pêssego.

Foi ali que soube que tinham tido índice de Apgar 9 ao 1º minuto e 10 ao 5º, e que agradeci o facto de ter estado acordada quando eles nasceram, para assim ter podido ver que nada de errado se tinha passado no parto. O que tinha acontecido a seguir tinha tanto de inesperado quanto de estranho. E nem o pediatra sabia o que dizer quando lhe perguntei: "Dr. os meus filhos correm risco de vida?" - a resposta foi: "Não vamos pensar nisso agora." - tive então a certeza que a situação era complicada, porque o meu instinto já mo estava a dizer há horas.

Veio a incubadora do INEM, levaram primeiro o L que estava piorzito na altura, despiram o meu pêssego, ligaram-lhe tubos e tubinhos e lá o vi ir. Fiquei com a M, passado um bocado foi a vez dela, o pai seguiu com eles eu fiquei agarrada à minha barriga e à minha dor, sem nada poder fazer a não ser rezar e chorar.

A família e os amigos começaram a chegar. Se na altura, achei que não queria ver ninguém e me apetecia mandar toda a gente embora. Hoje sei que foi bom que tivessem estado comigo, porque não me deixaram afundar em autopiedade e assim, fui conseguindo forças para enfrentar mais um revés que me estava a acontecer. Foram todos muito importantes naquela fase, e ainda hoje sou muito agradecida a todos os que me acompanharam principalmente naquele primeiro dia.

Os dias que se seguiram não foram fáceis. Eles pioraram e no Sábado foram transferidos para os Cuidados Intensivos com a indicação de que as 72 horas seguintes seriam decisivas, ou viviam ou sucumbiam. O A é que trazia as notícias e as fotos deles das incubadoras, era a única forma de os ver. Quando foram transferidos não sabia se os voltaria a ver ou não, estavamos desolados. Naquela altura optamos por filtrar a informação, não queria ninguém ali por perto com cara de choro ou com ar de tristeza, já me bastava a minha. Ninguém sabia até há pouco tempo atrás que eles tinham corrido risco de vida.

Acho que nunca niguém me viu chorar, a não ser o pediatra deles, que ao andar à minha procura me encontrou na capela lavada em lágrimas. Escolhia o recolhimento para chorar a minha dor, e aí chorava sem fim até quase esgotar as lágrimas, mas em público não queria chorar. É assim que eu sou, espalha brasas no geral, mas muito reservada nos meus sentimentos, acho que as pessoas terem pena de nós não é nada bom, e andarmos a chorar as pitangas também não faz mudar a realidade dos factos. E como diria a Piolha, aparecia sempre alguém com uma história pior para contar e eu não estava com disposição de ouvir as desgraças dos outros.

O meu médico andava cá e lá, na maternidade para saber dos bebés, no hospital para saber de mim, estava preocupado, sobretudo com a minha sanidade mental, estava com medo que eu não aguentasse a pressão e sucumbisse numa mistura de hormonas. Manteve-me presa ao hospital, para pelo menos recuperar a parte física, porque como ele dizia e sabia, mal me libertasse eu não iria ter um momento de sossego. Drogavam-me à noite para verem se eu dormia. eu caía pedrada 1 hora ou 2 e depois ficava em vigilia sem conseguir dormir, a imaginar os meus filhos ali sózinhos num aquário de vidros, cheios de tubos, agulhas sondas, e pior de tudo, depois de 36 semanas acompanhados pela mãe e um pelo outro... Sózinhos... Sózinhos... E chorava sózinha no silêncio da noite.

Beijos a todas

segunda-feira, setembro 17, 2007

A palavra aos pipizes

Olá a todas, só para dizer que no Sábado conhecemos umas titias muito especiais, esta tia e esta tia. Esta era uma visita devida há 6 meses, pois elas foram visitar-nos ao hospital e nós não estávamos lá porque somos uns malandrecos.

Queremos dizer às titias que gostamos muito delas e dizer que acreditamos que em breve teremos mais uns priminhos para brincar.

Beijos a todas

terça-feira, setembro 11, 2007

Mais palavras soltas

O dia 15 de Março alvoreceu brilhante, O céu azul, muito azul, o ar ensolarado dos mais bonitos dias de Primavera, e uma temperatura amena.

"É um dia bom" - pensei eu, enquanto me arrastava para os últimos preparativos, antes de ir para a Clínica. Veio a manicure de véspera, e a cabeleireira de manhã, queria que os meus filhos me conhecessem no meu melhor.

Não estava nervosa, nada, estava calma e desejosa que a hora chegasse. Estava marcado para as 13h30. Sentia um misto de curiosidade e sobretudo um grande cansaço; Sentia que num dia assim nada poderia correr mal, ou melhor, pensava que depois de tudo, mais nada poderia correr mal.

Demos entrada no Hospital por volta das 10h30, tinha decidido ir para um hospital privado, achei que em termos de conforto seria melhor para mim e para eles, com a contrapartida de ter o meu médico incondicionalmente ali. Foi um grande motivo de critica esta minha decisão, todos acharam que estava a arriscar um bocado fazer um parto de gémeos num hospital privado, pois caso algo corresse mal, seria complicado. Resolvi arriscar, não estava com vontade nenhuma de me enfiar num enfermaria com mais 4 ou 5 paridas e respectivos bebés a chorarem dia e noite, e não poder ter uma pessoa sempre ali perto de mim, e não poder receber visitas quando eu quisesse, não ter o staff médico da minha confiança, etc.

Foi um risco, e desde logo o assumi, escolhi um hospital que pela localização geográfica ficava ali mesmo, entre 1 central e uma maternidade... "Just in case". Preferi dar um pouco de primazia ao meu conforto, porque... Porque sim!

Ás 13h30 em ponto, lá ia eu dentro da cama a caminho do bloco, antes disso tinha tido a visita da parteira (um doce), do anestesista e do meu médico. Lá me convenceram a levar a epidural. Confesso que na altura preferia a anestesia geral porque pensava que me ia fazer uma grande confusão ver aquela parafrenália toda e eu ali deitada enquanto eles me "retalhavam" enquanto estava consciente. - "A epidural é melhor, a recuperação, blá, blá, blá..." - "Ok, epidural então".

Já dentro do bloco, toda a gente fazia festa: "Gémeos??!!! Um casal!!!??? Que bonito!" - enquanto aproveitavam para contar as histórias das suas gravidezes e respectivos partos, encontrei uma enfermeira que também tinha feito tratamentos para ter filhos, disse-me que até hoje se emociona quando vê nascer bebés de tratamentos. Uma equipa bem disposta, tudo bem disposto. Lá levo a dita cuja... Nem senti, comecei passado um bocado a sentir-me encortiçada, e pelos testes que me faziam lá percebi que não estava a sentir nada, ou melhor sentia que me mexiam, mas não sentia (pensamento estranho).

Estava calma e apreensiva, se é que é possível partilhar dentro de nós dois sentimentos tão antagónicos. estava calma porque confiante, porque desejosa pelo desfecho de mais um ciclo. Apreensiva pelo desconhecido.

Começaram a operação propriamente dita, sentia tudo mas não sentia nada, de repente ouço um barulho de aspiração e o anestesista disse-me que estavam a aspirar o liquido amniótico do primeiro bebé, fizeram apostas qual seria o primeiro a nascer, se o L se a M, eu disse que devia ser a M., de repente um ruído, uma tosse, um choro gritado, uns pares de mãos para a apanhar. Era a M. em todo os seu esplendor a gritar com uma possessa, só a vi passar por mim, foi logo absorvida pelo pediatra e parteira e demais pessoal. entretanto o aspirador estava novamente a funcionar, o outro gémeo vinha a caminho. Ainda andaram um bocado às aranhas atrás da cabeça do L, ouvi pedir uma ventosa, fiquei alerta... Afinal não foi preciso, o rapaz lá deu a cabeça ao manifesto e 2 minutos exactamente depois dava também o seu grito do ipiranga. Como a irmã, também o vi logo passar de mão em mão numa rapidez de movimentos ensurdecedora, sei que deu uma mijinha no pediatra e essa foi a imagem de marca dele desde o primeiro momento.

De onde eu estava tentava vê-los, mas tinha dificuldade pois estava muita gente de volta deles a tratá-los, ouvia-os chorar e sabia que estavam bem. "Missão cumprida." - pensei, e fui invadida por uma sensação de puro alívio e um torpor que me pesava nas pálpebras. Chamei o anestesista e disse: "Estou com muito sono, é normal?" - Ele disse que sim que era a quebra da adrenalina e disse-me que descansasse, veio mostrar-me a M. já vestida. Entretanto levaram os gémeos numa cestinha, enquanto me cosiam relaxei e tentei dormir. Tinha a cabeça vazia, naquele momento não conseguia sentir nada a não ser um extraordinário cansaço.

Levaram-me para o quarto, e pelo caminho a parteira disse-me que os bebés não iriam já para lá porque a M estava a precisar de um pouco de oxigénio e estava muita gente à nossa espera, disse-me que eles iriam para o quarto quando as visitas fossem embora, mais para o fim da tarde.

Só queria dormir, pedi para me fecharem as persianas e para não entrar ninguém, tinha sono, muito sono... Sentia um alívio imenso: "Estão bem, nasceram e estão bem!" - era só no que conseguia pensar até ser abraçada por um sono profundo.

Quando acordei estava sozinha ainda. Aproveitei para comunicar ao mundo o nascimento. Os berços deles continuavam lá vazios a olhar para mim. Comecei a ficar inquieta. As pessoas começaram a entrar umas de cada vez para não fazerem muita confusão, estava tudo eufórico, aguardavam ansiosamente pela chegada dos rebentos. Só que essa chegada tardava em acontecer.

Beijos a todas

sexta-feira, setembro 07, 2007

Palavras soltas

Este texto anda cá dentro a levedar há já algum tempo, o assunto não é actual, porque passado, ao mesmo tempo não é repetitivo porque nunca falei nele. Parece-me que seja talvez esta a altura de deixar fluir o pensamento, e passar a escrito o que anda cá dentro a bailar.

Reporto-me ao último mês de gravidez, da minha claro. A razão de só agora estar a escrever, tem a ver com a razão pela qual durante este período não fui muito descritiva, e tem basicamente a ver com o estado físico e mental que me acompanhou durante 36 semanas de gestação dos meus filhos.

Compete talvez esclarecer aqui, o interregno literário a que submeti este blog durante a gravidez, porque depois do nascimento todas sabem porquê.

Em primeiro lugar, quero dizer que a gravidez não foi um estado de graça para mim. Foi um estado de ansiedade profunda aliado a um mal estar físico permanente. Se por um lado estava feliz por estar grávida (muito), por outro lado os enjoos, o permanente mal estar faziam com que andasse sempre muito por baixo. Outra vertente era a ansiedade permanente e o medo de não conseguir levar o barco a bom porto.

Porque se numa gravidez dita normal, se acontecer algum azar, as pessoas dizem: -"Vamos tentar de novo" - e fica tudo bem, no meu caso (no nosso caso), um incidente significa o fechar da porta, ou então o início de mais uma saga de grandes oscilações físicas e psicológicas.

De uma coisa tinha a certeza, quer conseguisse ou não levar a termo a minha gravidez, para mim era o fechar da porta. Não me ia sujeitar mais vez nenhuma ao processo doloroso e esgotante de nenhum tratamento de fertilidade. Não conseguia, na minha cabeça imaginar-me a passar por tudo outra vez e foi uma jura que fiz. Se não tivesse que ser não seria, já chegava de brincar aos deuses.

Até Fevereiro não permiti que me dessem nada para eles, e até à véspera de ir para a maternidade nem cadeiras tinha para os trazer para casa. Uma coisa tinha preparada desde as 21 semanas... A minha mala. A deles só muito mais tarde preparei... E nem adiantou de nada, não precisaram de mala.

Devo dizer que apesar da barrigona, dos abanões deles lá dentro, de toda a parafrenália, acho que nunca na minha cabeça esteve muito presente a idéia de que iria ser mãe, andava tão ocupada a ter medo de o não ser que acho que nunca tive verdadeira consciência do que ia acontecer.

Depois um ponto de viragem na minha travessia, foi os incidentes que mancharam a felicidade de duas amigas do coração, ainda que virtuais. Nessa altura achei que não seria justo eu andar por cá a queixar-me das minha incertezas e incómodos, quando alguém sofria tão profundamente e não se importaria concerteza de estar no meu lugar. Achei simplesmente que não fazia sentido, e é essa uma das razões pelas quais não alardeio (muito) as minhas aventuras da maternidade.

A verdade, é que o interregno a que fui forçada por volta das 21 semanas, e me fez ficar em casa em semi-repouso, foi muito desgastante psicológicamente, enquanto que, fisicamente ia vendo o meu corpo a ficar totalmente transfigurado, e ia assistindo à quase falência do meu organismo, para dar vida aos meus 2 filhos.

No último mês de gravidez (das 32 Às 36 semanas), já quase não andava, arrastava-me; Tinha as pernas completamente deformadas de inchadas, e os pés tipo boneco de plasticina onde uma criança tenta colocar uns toros a servir de dedos; Os rins não funcionavam normalmente, porque a sobrecarga a que estavam sujeitos começava a ser demais, a barriga estava tão grande que dizia muitas vezes que se eu fosse mais baixa ao levantar-me caía para a frente; As noites e dias eram em branco pois não me conseguia deitar porque o peso da barriga era tanto que deitada ela ficava a repuxar as costelas e era um incómodo sem descrição possível. A única forma como conseguia dormir era sentada com as pernas esticadas e uma almofada apoiada num ombro, aí descaía a cabeça para o lado, e dormia de pé.

Andava exausta, as ecografias eram um tormento semanal bem como as viagens ao Porto para a consulta, na marquesa tinha de estar sempre a virar-me porque se estivesse deitada de costas começava a perder o ar, de lado doía-me imenso, era uma verdadeira provação. E para além de tudo, a barriga estava sempre dura como pedra. Uma coisa que demorava 10 minutos a fazer, demorava quase 1 hora, era desgastante para mim, para quem me acompanhava e para o médico.

Confesso que vi aproximar-se o dia do parto em passo de caracol, e que se calhar fiz um bocadinho de pressão para que ele fosse realizado naquele dia exacto, realmente não aguentava mais e já que tinha de ser programado e tinha, então deixar fazer só a data de referência, 36 semanas. Se fosse hoje tenho a certeza que teria feito o mesmo, mas no meu íntimo fica a dúvida: Se eu tivesse esperado mais uma semana teria sido diferente?

Para a semana continuo com as palavras soltas, por agora despeço-me com desejos de um bom fim de semana para todas.

Beijos

segunda-feira, setembro 03, 2007

Dias de solidão

Depois de 5 meses e meio, passados na sua maior parte com eles. Depois de 5 meses e meio: Em que acarinhei nas primeiras cólicas; Em que vibrei com o primeiro sorriso; Em que lacrimejei ao ouvir os primeiros sons deles na tentativa de comunicar com o mundo; Em que fui persistente com as colheradas da papa e da sopa para que eles aprendessem a comer, Em que centenas de vezes me enterneci até ás lágrimas a vê-los dormir e algumas outras que desesperei por não saber como calar o choro deles... Hoje deixei-os oficialmente pela primeira vez, 1 dia inteiro (ou quase), sem mim e eu sem eles.

Chorei ao vê-los sair de casa, chorei, porque a partir de hoje deixo de estar lá presente em todos os momentos, em todas as conquistas, em todos os sorrisos, em todas as birras. A partir de hoje, todas as conquistas serão divididas, e quantos momentos da sua evolução eu vou perder...

Já fui vê-los (claro), o sorriso rasgado ao ouvirem a voz da mãe não deixou margem para dúvidas, também eles sentem a minha ausência, e isso ainda custa mais. Abracei-os como se os quisesse meter dentro de mim outra vez, e tive de os deixar novamente, e a partir de hoje um dia atrás do outro, e outro...

O L, tem andado maio adoentado, coitadinho, com uma otite, e agora com um pouco de diarreia. Têm andado os 2 meio chorões desde que regressamos a casa, acho que estivemos muito tempo na outra casa, e agora está a custar-lhes habituar-se a esta, ou talvez tenham já alguma premonição de que os "good old days are over". Mas de resto estão uns pimpões, e se dormissem mais algumas horitas de noite eram uns queridos...

A verdade é que nunca julguei que custasse tanto, porque por vezes era de tal modo absorvida por eles que não tinha tempo sequer para comer, ir à casa de banho ou outras coisas tão básicas como ir beber um copo de água ou falar ao telefone. Era uma tarefa de 24 horas, sem tempo para intervalo. Mas foram imensamente superiores as vezes que essa tarefa me proporcionou prazer do que as que me desesperou (que não foram poucas).

Quando entramos na maternidade, pela primeira vez, somos surpreendidas, nunca estamos prepradas para cuidar de 1 bebé, quando aparecem 2, então existem alturas em que a coisa é surreal, e julgamos que nunca vamos conseguir aguentar a pressão a que somos sujeitas para responder à exigência daqueles pequenos seres, porque eles exigem, até à exaustão, e não querem saber se estamos cansadas, doentes, ou simplesmente já tivemos tanto que já não aguentamos mais... Eles estão ali, e querem aquele colo, aquele leite, aquele afago, naquela hora, e não esperam nem um minuto, eles choram, e berram, e nós não sabemos o que eles têm, e isto uma hora atrás da outra, um bebé atrás do outro. Sim, porque quem só tem 1 ainda vai tendo uma folguinha, quem tem 2, tem sempre algum a necessitar de atenção. Muitas são as vezes em que julgamos que vamos sucumbir e, porque não, até fugir.

No entanto, desde o momento que vemos aquelas carinhas de anjo a dormir regaladamente no nosso colo, ou simplesmente na sua caminha, sempre que vemos aqueles sorrisos com que nos presenteiam quando acordam de manhã ou quando fazemos umas simples brincadeiras com eles, quando os apertamos nos nossos braços e sabemos que são nossos, são parte de nós e lutamos para que eles viessem a este mundo sãos e salvos... Esqueçemos o nossos cansaço, as nossas dores físicas, e avançamos sem medo, porque sabemos que eles dependem de nós e a nossa tarefa nesta vida é fazê-los crescer saudáveis e felizes... E agradecemos... Todos os dias, porque um tesouro muito preciso nos foi confiado.

Eu, perante certos padrões modernos, até nem devo ser grande educadora, os meus filhos gostam de adormecer ao colinho, e eu não lho nego, se algum está mais agitado vem dormir comigo na minha cama, e detesto que chorem, e faço tudo para que isso não aconteça... Se calhar algumas pessoas vão dizer que estou errada: O certo é deitá-los a dormir nas caminhas deles e deixá-los lá para aprenderem a dormir sózinhos, não os deixar ir à cama dos pais, não lhes pegar ao colo sempre que choram, etc, etc, etc.

Mas, acreditem, depois de tudo o que passamos, eles e eu, não quero saber cá de psicologia de trazer por casa, eles daqui a pouco não querem o colo, querem é caminhar e descobrir o mundo, não querem a cama da mãe, querem o quarto deles e as coisas deles. Por isso, deixa-me aproveitar enquanto posso.

Beijos a todas